segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Pensei que eu fosse morrer em Buenos Aires. Depois de cinco meses desempregado, de empréstimos intermináveis e de depender da caridade de amigos, pensei que eu fosse morrer em Buenos Aires. Aquela semana em particular tinha sido muito difícil. Três recusas de emprego, uma entrevista em que me saí muito mal e no meio disso tudo fui chutado do apartamento em que estava e tive que ir bater de novo na porta de Dona Elvira, Só uma semaninha vai a próxima não tem como ser pior que esta. Ela me aceitou com a cara mais feia do mundo, no começo, mas aceitou, depois acabei ficando um pouco mais do que só uma semaninha.

Foi por aqueles mesmos dias que apareceu por lá um casal de catadores de papel, levando uma carroça cheia, e decidiu ficar vivendo na calçada em frente à "nossa" por uns dias. Eu reparava neles sempre que passava, e acabei percebendo como eram silenciosos e como se concentravam em seus pequenos afazeres cotidianos, sentados no meio-fio ou na carroça, geralmente próximos um do outro. Uma vez entreguei ao homem um bloco de papel que encontrei num canteiro ali perto: ele agradeceu com a voz baixa e uma expressão tranquila, mas séria, e nunca mais vi nem ouvi ele dizendo uma só palavra.

Na madrugada de uma quinta pra sexta-feira, eu estava lendo uma revista pra distrair a insônia, tentando não pensar em como aquilo tudo que eu estava lendo era desinteressante e sem importância, quando comecei a ouvir a voz do homem vinda da calçada. No começo era um lamento que eu não conseguia escutar direito e que não durava muito tempo, mas que aos poucos foi ficando mais alto e mais compreensível. Ele dizia que estava cansado daquela vida, que não aguentava mais nada daquilo, que não suportava - e a voz de lamento ia se tingindo de raiva, virando um rio de raiva em uma correnteza quente e cada vez mais forte, uma tormenta desesperada, uma fúria de lágrimas, aquela voz ia ficando mais alta e mais alta ecoando no asfalto e no concreto dos prédios, no final repetindo um mesmo refrão:

Necesito una puta pausa.

Necesito una puta pausa.

Foi assim, ali, mais até do que em qualquer outro momento, que eu pensei que fosse morrer em Buenos Aires.

Pensei que eu estivesse morto em Buenos Aires.

Um comentário:

Anônimo disse...

Bom se a gente tivesse um botão de pausa. Acho que todos, em algum momento da vida, iriam usar!