Pensei que eu fosse
morrer em Buenos Aires. Depois de cinco meses desempregado, de empréstimos
intermináveis e de depender da caridade de amigos, pensei que eu fosse morrer
em Buenos Aires. Aquela semana em particular tinha sido muito difícil. Três
recusas de emprego, uma entrevista em que me saí muito mal e no meio disso tudo
fui chutado do apartamento em que estava e tive que ir bater de novo na porta
de Dona Elvira, Só uma semaninha vai a próxima não tem como ser pior que esta.
Ela me aceitou com a cara mais feia do mundo, no começo, mas aceitou, depois
acabei ficando um pouco mais do que só uma semaninha.
Foi por aqueles mesmos
dias que apareceu por lá um casal de catadores de papel, levando uma carroça
cheia, e decidiu ficar vivendo na calçada em frente à "nossa" por uns
dias. Eu reparava neles sempre que passava, e acabei percebendo como eram silenciosos
e como se concentravam em seus pequenos afazeres cotidianos, sentados no
meio-fio ou na carroça, geralmente próximos um do outro. Uma vez entreguei ao
homem um bloco de papel que encontrei num canteiro ali perto: ele agradeceu com
a voz baixa e uma expressão tranquila, mas séria, e nunca mais vi nem ouvi ele
dizendo uma só palavra.
Na madrugada de uma quinta
pra sexta-feira, eu estava lendo uma revista pra distrair a insônia, tentando
não pensar em como aquilo tudo que eu estava lendo era desinteressante e sem
importância, quando comecei a ouvir a voz do homem vinda da calçada. No começo
era um lamento que eu não conseguia escutar direito e que não durava muito
tempo, mas que aos poucos foi ficando mais alto e mais compreensível. Ele dizia
que estava cansado daquela vida, que não aguentava mais nada daquilo, que não
suportava - e a voz de lamento ia se tingindo de raiva, virando um rio de raiva
em uma correnteza quente e cada vez mais forte, uma tormenta desesperada, uma
fúria de lágrimas, aquela voz ia ficando mais alta e mais alta ecoando no
asfalto e no concreto dos prédios, no final repetindo um mesmo refrão:
Necesito una puta
pausa.
Necesito una puta
pausa.
Foi assim, ali, mais
até do que em qualquer outro momento, que eu pensei que fosse morrer em Buenos
Aires.
Pensei que eu
estivesse morto em Buenos Aires.
Um comentário:
Bom se a gente tivesse um botão de pausa. Acho que todos, em algum momento da vida, iriam usar!
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