Era
uma noite de muito vento e na Casa Velha ficava impossível dormir quando
ventava daquele jeito à noite. Talvez por isso tantas pessoas tivessem
enlouquecido ali, ao longo da tortuosa e ridiculamente comprida história de
nossa família, e talvez por isso ela tenha ficado vazia por tantos anos antes
que eu voltasse a morar lá, na vida adulta, muito mais por força das
circunstâncias do que por vontade própria. Àquela altura, já estava em minhas
mãos decidir o que fazer com ela, e se soubesse o que me custariam os anos que
acabei ficando, com certeza teria me desfeito de tudo já naquela época – mas
decidi lhe dar uma chance, e agora enfrentava as consequências da minha escolha conveniente e preguiçosa. Aquela
noite de maio já seria triste o bastante sem o vendaval, porque a imagem de
todas as coisas e pessoas que eu amava estava se dissolvendo em chuvas frias
desde o início do outono, porque era um
período obscuro na história do meu povo e milhares de pessoas morriam lá fora,
porque naquela tarde eu tinha enterrado o último dos meus sonhos mais loucos e
lá se iam dezenove anos que eu vivia sem mais ninguém na Casa Velha, ou talvez
fossem trinta e cinco, ou cento e quarenta e quatro. Muitas vezes me perguntei
se não teria me tornado só mais um dos fantasmas das histórias de meus avós,
arrastando os pés pelos corredores intermináveis com as minhas mágoas e meus
candelabros; às vezes, se me demorava, por exemplo, em uma das cadeiras do
jardim de inverno, tinha a impressão de que já começava a fazer parte dela, de
que não havia mais nenhuma diferença entre mim e qualquer outro móvel da casa;
quase sempre me perdia na passagem do tempo, e me parecia que tinha acabado de
fazer coisas que havia feito semanas ou até meses antes, ou podia achar que
alguma coisa que eu tinha acabado de fazer, tinha feito anos atrás. Não sei o
que me desprendeu da Casa Velha, afinal, de maneira tão definitiva, como uma
força centrífuga, me arremessando para muito longe – alguma coisa que gritava,
alucinada, no vento daquela noite de maio?, alguma coisa sangrava e
rasgava em meu peito os últimos farrapos que de mim haviam restado, e aquilo
queimava e era alívio, ardia como lava ardendo sob o fogo de um milhão de sóis
e ao mesmo tempo era um bálsamo, uma surpresa tão única, tão grandiosa, como se
só então o ar tivesse começado a existir e aquela fosse apenas a primeira vez
que eu respirasse.
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