quarta-feira, 30 de setembro de 2020
choveu
mas tinha sol, e era uma sexta-feira à tarde e eu estava apaixonado e ela disse
que também estava, e a gente ficou se olhando com aquela cara de quem não
acredita em tanta coincidência, e eu me lembrei do que vinha a seguir e foi
quando passou o carro do sorvete, e um gato veio se enrolar em nossas pernas, e
o ar da praça era ao mesmo tempo alaranjado e prateado e tinha umas pequenas
flores amarelas e vermelhas, e à noite ia passar um filme bom e alguém riu alto
e tinha um cheiro de terra molhada e brisa fresca e úmida e suave, e era tudo
ao vivo, e ela deu um passou à frente e parecia que a existência inteira
flutuava através dela e nela e só por ela, e que ela estava em tudo e que era
tudo ela e ela e ela e
sábado, 26 de setembro de 2020
Estive
tentando reunir alegria suficiente
Ou
graça ou glória
Pra
escrever um poema de amor quase místico
Sobre
a grandeza de tuas paisagens, cidadezinha
E
da tua gente silenciosa
E
das tuas ruas aéreas
Tua
praça iluminada pra festa
Fervendo
de fome e de frutas na feira
Estive
tentando encontrar minha calma e a terra
Sólida
sob meus pés pra sondar as beiradas de teus abismos
E
as profundezas de teus rios
Dos
corações inundados que aqui vivem
Ou
vêm pra despistar cansaços
Tua
lua cheia ao alcance das mãos, as milhares de mãos
Erguidas
em templos de adorações tão diversas
Porque
eu te amei quanto pude
Mais
muito
Tentando
evitar esta hora em que a estrada nos separa
Estive
à tua volta
Estive
aos teus pés e no teu centro
Tão
perto de sempre
Tivemos
o sempre
E o tempo
quinta-feira, 17 de setembro de 2020
teu castelinho de história vai ficar bonito com mais essa postagem.
distorce informações pra elas caberem no alerta: “eles são a causa de todos os
males do mundo”. só um pouquinho aqui, outro pouquinho ali, estica e puxa e faz
parecer que temos que escolher entre uma tirania e outra, as nossas com certeza
são as melhores. o fato é que ninguém se relaciona mais com os fatos. não só os
que sonham alto os paraísos interiores, também os que rastejam pelas ruas suas camisetas
e bandeiras viciadas em só isso. mas ei não pare agora o teu castelinho de
história está ficando lindo com todo esse combate heroico aos mais novos
sintomas de doenças que ah deixa pra lá. toda essa guerra entediante e teatral
e sem avanço esse chove não molha uma bola de neve estamos andando em
círculos e o melhor que temos pro nosso próximo ato é repetir algo de antes. e
se quiséssemos realmente melhorar o mundo? sei lá, só perguntando.
quarta-feira, 9 de setembro de 2020
Conheceram-se no caixa
de um restaurante, depois descobriram que tinham ambos o resto da tarde livre,
então por que não, o rapaz conhecia uns lugares interessantes pra visitar ali
perto. Mas não conhecia ninguém na cidade: tanto quanto Joaquin, estava lá só
de passagem. “Ninguém gosta de mim”, repetiu algumas vezes com os olhos baixos,
e Joaquin via algo de sua própria tristeza refletida no rapaz. Naquela época,
trabalhava como representante comercial, tentando vender sucos de frutas que
não nasciam a menos de mil quilômetros das cidades onde ia. Passava muito tempo
na estrada e muito pouco tempo em cada cidade – e também não conhecia ninguém
naquela, mal lembrava seu nome. Também tinha a impressão, muitas vezes, de que
ninguém gostava dele.
– Vezes até demais –
confessou.
E quando contou essa
história, demorou-se, nesse ponto, em alguma lembrança silenciosa, os olhos
perdidos por um longo instante, sem revelar mais nada.
Ele se chamava Martim,
disse, afinal. Estava hospedado em um albergue ali perto e parecia bastante
chateado com alguma coisa que tinha acontecido lá, mas não dava pra entender
direito, ele falava sem parar e às vezes eram coisas sem nenhum sentido, repetindo
o refrão “Ninguém gosta de mim” muitas vezes, vezes até demais. Mostrou o nome
do ex-namorado tatuado no braço, teve que abaixar um pouco a calça e a cueca
pra mostrar a tatuagem de pequenas e delicadas flores ligadas por um fio. Disse
várias vezes que achava o Joaquin lindo, lindo, lindo demais pra estar
solteiro, acariciava o seu braço, uma vez ou outra tentou segurar sua mão.
– Mas eu não me
importava com isso – disse Joaquin. – Acho que até aquele dia eu não tinha me
dado conta do verdadeiro peso da minha solidão.
Martim. Eles andaram
juntos a tarde inteira, depois acabaram em alguma lanchonete tomando o suco de
uma fruta que só nascia naquela região e de que Joaquin nunca tinha ouvido
falar. Foi com o rapaz até o portão do albergue, deixou-o lá, despediu-se, já estava
outra vez andando em direção à rua. Martim se sentou em um banco encostado ao
muro, debaixo de uma árvore, e parecia mergulhado em sombras quando Joaquin se
virou pra trás pelo que pensou que fosse a última vez. O rapaz escrevia em um
caderno pra depois procurar por ele no Facebook, em letras garrafais: JOAQUIN.
Ninguém gosta de mim, estava dizendo ainda, ninguém gosta de mim, ninguém
gosta, ninguém. Por que você está indo embora? O que foi que eu fiz?
– Aí nessa hora eu fui
até ele – contou Joaquin, – segurei seu rosto entre as mãos e beijei... não,
beijei não... mordi seu lábio inferior.
Fez uma pausa, durante
a qual perguntei:
– Mas por que você fez
isso, Joaquin?
E ele:
– Ah, sei lá, pô...
Acho que... Todas as frutas.
quarta-feira, 2 de setembro de 2020
por que ainda estou ouvindo essa gente? quando olhei pro lado, alguém
importante já não estava mais lá. houve um tempo em que era tão fácil a certeza
de sentirmos amor, agora uma longa interminável tentativa de cura. nunca, jamais
se permitir a falha imperdoável de não levar tudo tão a sério o tempo todo.
nunca descansar numa ilusão qualquer de leveza, se é que é mesmo uma ilusão.
por que ainda acredito em crenças que se adaptam aos interesses de uns poucos
de acordo com as circunstâncias? o que eu tinha de melhor se perdia e ninguém
se importava então eu me refiz, mas o que eu tinha de melhor se perdia e ninguém
se importava então eu me refiz, mas o que eu tinha de melhor se perdia então eu me
refiz, mas ninguém se importava e a uma certa altura eu já não tinha mais nem
como acreditar que o problema era comigo. e onde você estaria se eu enxergasse
no espelho o ser mais desprezível da face da terra? há coisas demais em mim que
você não quer ver pra alguém que está parado propositalmente à minha frente. e
se é pra ser esse bobo, o ingênuo, por ter feito a escolha de trilhar os
caminhos do afeto, a maldade do mundo que você diz que combate, não é aí que
ela nasce? ah porque é assim que são as coisas, não são, é você quem prefere, a
poesia que está morta é só a dos sonhadores, apedrejada pelos corações que
apodreceram, como é conveniente transformar os sentimentos em vaidade, fraqueza,
estratégia, puro desejo, nada. por que ainda estão ouvindo essa gente? por que
então é só essa gente que ainda fala?
Assinar:
Postagens (Atom)