Mateus não conseguia lembrar se era naquela manhã ou na seguinte que haveria um passeio da escola a um museu da sua cidade, mas se perguntou se não gostaria mais de estar lá do que ali com o pai no Louvre.
Em 15 anos de vida, a única vez que ouviu seu pai falar em museus foi pra criticar uma exposição que ele nem tinha visto, mas que todos diziam que era horrível. Agora, não achava que a visita ao Louvre, ou qualquer outra coisa naquela viagem pomposa e interminável, tinha algum interesse pra ele além das selfies nas redes sociais.
Felizmente, conseguiu se desvencilhar por um tempo, explorar sozinho os salões e demorar-se o quanto quisesse diante da obra que quisesse, permitindo-se sentir o que quer que sentisse. Fazia alguns minutos, por exemplo, que estava parado diante daquela escultura de uma mulher com asas e sem cabeça que, por alguma razão, fazia com que ele pensasse em Vitória.
Claro, não precisava muito pra ele pensar em Vitória, mas talvez fosse o fato de que a garota era a imagem que ele tinha da perfeição, enquanto aquela estátua, de tudo o que tinha visto até então, era o mais próximo disso que havia encontrado.
E ao mesmo tempo sentia-se inquieto, como se tanto a imagem quanto a garota pertencessem a um mundo do qual ele não era parte, nem poderia ser nunca. A garota, porque gostava de homens mais velhos, ricos e bonitos como modelos ou artistas de cinema, e uma vez que era perfeita, sempre atraía a atenção de caras assim. A estátua, ele não saberia dizer.
Nem chegou a saber que ela também se chamava Vitória, e que também vinha de um mundo governado pela força e representado por ideais vazios de perfeição e beleza.
O que ele sabia, o que o incomodava de uma forma reconhecível, era a opressão real daqueles ideais no seu dia a dia. Uma noção tão curta da vitória, em guerras sem sentido como as movidas pela religião, por exemplo, enquanto a espiritualidade deveria promover o bem, ou guerras da razão contra a espiritualidade, enquanto havia tanta razão no espírito, ou guerras fúteis pautadas no dinheiro ou em aparências ou políticos de estimação ou o time que perdeu à noite porque o juiz não marcou um pênalti.
E tinha outra coisa que ele finalmente entendeu ali. Algo que tinha a ver com a "crítica construtiva" que o pai sempre fazia de que ele era só mais um a se sentir diferente, igual a milhares de outros que tinham vindo antes dele. Era verdade. Mas só agora Mateus entendia o que aquilo significava, e não era nada que anulasse as diferenças dele, como o pai pretendia que fosse.
E sabia que aquilo, assim como qualquer outro pensamento naquele passeio, eram coisas inúteis de se dizer ao pai.
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