quinta-feira, 28 de julho de 2016


Antes do inferno tinha um céu.

Mas então o inferno dizia que o céu era inventado. Que o céu era vaidade. Que o céu era uma projeção no inferno, tipo um filme em 3D ganhador do Oscar. Basicamente, o inferno dizia que tudo que existia era o inferno.

Depois vieram os tempos da mais absoluta indiferença.

Você me ama? Não. Me odeia? Não. O que é que você sente? Nada, eu só estou aqui. Nem faria diferença se eu não estivesse. E a verdade é que, no fim das contas, eu nunca não estive.

Sete chakras
dia e noite circulando
e ela pensa que “Nirvana” é só uma banda.

Antes do inferno tinha um céu, que era tão nada quanto o inferno – e no meio do nada a Terra gira sendo nada.

Parece – ela me diz –
que ele tem um par de asas,
mas é só porque na hora da fotografia
ele estava bem na frente de um dos anjos do cenário.

Tenho a ideia que eu quiser e nada disso é o mundo.

E tudo isso é o mundo.

E

quinta-feira, 21 de julho de 2016


Estou farto de semideuses e discursos desligados da ação.
(Não sou menos culpado.)
(Eu era a encarnação de um buraco-negro.)
Na entrada de um prédio, lia-se em letras garrafais:

A ERA DA COMUNICAÇÃO REPRESENTA
O COLAPSO DE TODOS OS SISTEMAS DE PENSAMENTO

Estava coando um café numa tarde de sexta-feira, sentado sozinho no banco da praça, alimentando as caldeiras de um barco a vapor, na fila do supermercado vendo um grupo de jovens sair da balada no fim da madrugada de domingo quando a Jéssica agitou um jornal na frente do meu rosto e disse animada Ouça isto!

Tanto faz correr pra barra da saia da torcida de um time ou da esquerda ou direita nessa Guerra Fria Requentada, ou de uma religião ou de uma ciência, ou de uma gangue, desde que as afirmações do grupo continuem firmes o bastante pra garantirem ao indivíduo a ilusão de um mundo objetivo, consensual, como uma tábua de salvação em meio à tempestade solitária de experimentar a existência.

Antes de qualquer mudança concreta acontecer, veremos o esvaziamento de todos os discursos pelo seu confronto mútuo, e justamente por sua falta inerente de correspondência total com a realidade,

estou falando igual a eles, me pare. já somos muitos budas renascidos, muitos super-homens, muitos cristos. qualquer coisa que nos reduza a uma só coisa está fadada ao naufrágio.

_era absolutamente necessário que não fizesse nenhum sentido, em nome da verdade_ mas sim, amor, ternura, compaixão, blá blá_ pra todo o sempre: menos sectarismo, menos, menos_ não existem razões sólidas, as coisas ou são sólidas ou são razões, as conclusões me aborrecem_ era absolutamente necessário que o céu desabasse? não. só quando faltasse o chão_ o mundo regido por contas bancárias está condenado, sempre foi só uma questão de tempo_ espera um pouco, estou tentando me importar_ não consegui_ da última vez que fui feliz choveram pedras, foram vinte e cinco terremotos, trinta e nove tsunamis, setenta e dois vulcões entrando em erupção e doze mil anos de era do gelo_ dizem que o sangue é o preço de ter asas_ mas e se a terra for o paraíso de outro planeta?_ menos eu sei, blá blá blá blá só eu sei_ menos raivinhas, menos, muito menos_

Alguém me diz “Isto não é sobre você”,
mas desde que eu ouça, é, sim.
Alguém me diz “Você só pensa em você mesmo”.

É, sim.
(Mas é porque eu não tenho outro lugar onde pensar.)

sexta-feira, 15 de julho de 2016


Poderiam ir embora os vampiros seus sorrisos falsos palavras de amor que não conseguem disfarçar o cheiro da maldade, não você. Poderiam ir embora os paladinos cegos poços de orgulho defendendo uma justiça que contempla apenas os seus egos, não você. Se uma lágrima lavasse a dor, se a tinta da caneta, se um retrato em que sorrimos abraçados, se, mas não, sangra bem mais que o sangue que eu pensei que tinha. Poderiam duvidar de mim aqueles pra quem nunca fui abrigo e me lançar os seus desprezos infantis aqueles que algum dia ignorei sem nenhum remorso, não você. Que me pintem como um bobo, que transformem cada palavra minha em farsa, que prefiram as arenas mitos de gravata as santidades automutiladas, que me importa? Que eu seja de fato capaz de rir e me sentir bem-vindo e de brincar na chuva em campos de batalha em festas multidões ou no silêncio solitário do meu quarto, nada elimina a falta. Sim, porque te adoro aceito os teus caminhos tuas escolhas lutarei eu mesmo pra que seja plena a tua liberdade – mas porque lá fora, mas porque tão longe e tão esquecida de que eram sinceros o carinho o respeito a admiração que sempre tivemos um pelo outro, poderiam ser os sádicos, poderiam ser os verdadeiros monstros, poderiam ser aqueles que já não semeiam mais do que discórdia.

Belo Horizonte - MG

quarta-feira, 6 de julho de 2016


Em meio a soluções viciadas, havia uma pergunta curativa. No meio do fim do mundo, um riso solto. Em meio a uma canção de adeus, caiu um meteoro: quando abri os olhos, estava imerso em estar aqui. Nunca saberei dizer “Aceite o meu deserto”. São princípios insondáveis que me movem. Estou pronto pra ser da tua casa, tenho tanto bem-querer, posso beber do teu copo e até oferecer histórias, mas não alimente o ódio. Também me frustro com os meus acasos. Também colho esmeraldas. Calma, o tempo está fazendo um desenho. Não me devore em resumos, é assim: um não-sou que acontece. Repara bem. Transborda.


(Diários de Machu Picchu #26)