sábado, 25 de fevereiro de 2017



fome que não é minha e pesa no meu prato esvaziado. fome pura falta, falta puro impulso, puro impulso. fome de afeto e de espanto, fome que se deita ao nosso lado pra dormir sem esperança de dormir, fé que enfraquece, fúria de fome, a fome. de fé. de futuro. a que te faz pequeno, a que se põe a um passo de virar delito. fome sem pena e sem culpa, dolorosa e sem fundo, durando, dura, ainda.
ainda.
ainda.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Alto Paraíso de Goiás - GO
Me sentindo o pior dos homens, muito mais que cem anos de solidão sendo arrastados pela madrugada, por tudo o que escuto com o canto do ouvido, reações tão desproporcionais, se fosse outra pessoa que dissesse o que eu digo ou fizesse o que eu faço ela seria aceita eu sei, três ou quatro horas da manhã no centro de Belo Horizonte me sentindo o pior dos vira-latas nem um pouco belo e horizontes onde, só com um maço de cigarros no bolso e umas poucas moedas, ainda assim reduzi o passo quando virei a esquina e tinha um cara andando a uns poucos metros de mim, indo na mesma direção que eu mas né nunca se sabe né melhor assim, fiquei mais preocupado ainda quando ele parou, olhou pra trás e esperou que eu me aproximasse, lá se foi minha vida por causa de um par de botas? mas não era nada disso e logo que eu cheguei ele me perguntou Você está dormindo aqui? e reparei no degrau da loja em frente à qual a gente estava, trapos sujos, um colchão de papelão, falei que não e continuei andando aí escutei ele dizer Desculpa, sim, Desculpa, ele falou Desculpa, se você for ver não tinha nada na atitude dele precisando de desculpa e mesmo assim sei lá, me sentindo qualquer outra coisa respondi Beleza ou Tudo bem não lembro agora tanto faz e fui adiante com a certeza de que eu desculpava, sim, mas não era ele, e na verdade eu nunca soube muito bem o que.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Belo Horizonte - MG

Tive que descer pro inferno e só te levei comigo até o vigésimo oitavo degrau. Não sei se te subestimei ou se exigi demais, só que no inferno a gente não poderia mesmo ter entrado de mãos dadas. Se fosse indo pro céu seria a mesma coisa, porque o teu céu tem todo aquele algodão-doce rosa e chafarizes de cristal e pérolas no enfeite de cabelo enquanto o meu tem uns lagartos coloridos, fruteiras públicas e grandes varandas sobre abismos e oceanos índigo. Se eu dissesse que você não é o que pensa, você entenderia que não é teus pensamentos ou pensaria que eu estivesse te acusando de ter uma opinião errada a teu próprio respeito? Se bastasse acreditar que os pensamentos correm pra onde querem, alcançar toda a profundidade dos contrários e de não haver contrários ou digamos assim se o coração reinasse a rédeas soltas então caberia entender alguma coisa, ou serviria de algo? Nenhum instinto há de ser encorajado porque todos sujos e perversos e a razão somente a civilização nos fez desenvolver algum cuidado algum olhar ao próximo? Já é lei que a bondade a consciência são o discurso de consolação dos perdedores e nada, nada, nada nada mais? Sobrou somente a estrada de terra batida e quem sabe os pés, só um agora previsível e suspiros e talvez flores de cactos, essa falta de imaginação que me fulmina, a indisponibilidade, a minha preguiça de falar recorte-aqui se estou traçando a linha pontilhada? Mas ah, um poço de luz se acende imenso sempre que mergulho em busca da tua imagem – e pelo menos isso ainda posso dizer que é verdade. Que é o teu bem o que eu quero, que eu ganhei estou crescendo e que você me faz acreditar em dias melhores – eu sei, posso até ver é cada vez mais claro. E por tudo o que há de mais sagrado neste mundo: se todo o resto for a pena, vale.

domingo, 5 de fevereiro de 2017



Queria falar a linguagem dos sonhos. A voz sem amarras, a pura sensação feita imagem. Na Terra do Sol Poente, ou Nascente (enfim, na Terra do Céu Sempre Alaranjado), uma mulher parecida com a Jéssica me levou a um terraço e me deu alguma coisa pra beber. Tentava me acalmar dizendo que ainda era muito cedo pra... o que era mesmo? Ninguém é especial, é tudo igual do outro lado. Durante muito tempo, anotei meus sonhos em um caderno azul marinho. Em uma terra entre mundos, eu esperava na fila pra pegar o ônibus d’Aqueles que Tentaram e Quase Conseguiram, que era uma categoria intermediária na evolução espiritual – aliás, eu estava numa subcategoria média-baixa, porque era o único responsável por não ter conseguido. Acordamos envolvidos pela sensação sonhada, ela nos move ao longo do dia. Todo mundo é especial. Tem sonhos de que nunca me esqueci, sem precisar anotar: resgates no inferno, beijos do mais puro amor, voos soltos. Falar essa língua, sim, quem me dera. Dizia isso à Gertrude Stein e ao Caetano Veloso em um bar na Vila Madalena.