quarta-feira, 26 de junho de 2019
Senhoras e senhores, isto
é
só para não iniciados
semicírculos fechados
contra lonjuras retóricas
Senhoras e senhores, já
estou de saco cheio dessa gravidade toda,
de ideias apocalípticas, da
histeria do nós versus eles,
de estudos avançados e lugares-comuns
sobre isso ou aquilo ou pior: sobre
poética
Vão à merda as suas teorias
e psicanálises literárias,
vão à merda os séculos
Senhoras e senhores, teremos
sempre com quem nos indispor,
mas vão à merda as suas
guerras
Aliás,
vão à merda
Algum poeta ainda hoje
alcançará no coração dos homens e
mulheres uma luz que
explode? agora que a humanidade inteira se conecta,
agora enquanto apesar disso ainda
há fomes e misérias, poeta algum
incitará os sofredores de
todas as espécies
para dias melhores?
Não, porque infelizmente já
mandamos os poetas à merda.
Senhoras e senhores, essa
merda toda é
só
o que nos sobrou nas solas
dos sapatos
Amores são de novela, as
revoluções
têm as caras dos astros de
Los Angeles,
a Filosofia está morta
Mas
isto é
só um verso,
é diferente de um tratado político,
aqui se caminha descalço,
aqui mora um rei de coração
anárquico,
aqui
as lógicas se despedaçam e
não tem mosaico no mundo que as restitua
nada se soluciona
tudo se acha
Senhoras e senhores, isto é
só para os desavisados:
só
muito vagamente
as palavras transitam
ao
redor dos significados
quarta-feira, 19 de junho de 2019
Quando visitei a nascente do Rio São Francisco, em
Minas Gerais, me perguntava quanto tempo levaria uma gota de água pra ir desde
ali até o mar. Ou um barco – e eu gostaria muito de ser aquele barco, sim, mas
ainda mais do que isso, queria caminhar ao lado do rio, acompanhando cada passo
de sua vida até o litoral. Ou eu queria ser o São Francisco, simplesmente, sem
contar nem horas nem gotas. Um rio é ao mesmo tempo o próprio nascimento e a
própria morte – e não seria ele ao mesmo tempo o mar? E não seria a chuva? E
não estaria ele à nossa volta aqui, agora, pairando invisível no ar?
quinta-feira, 13 de junho de 2019
desenrolar
uns nós de má-vontade
milhares
de obstáculos entre o querer e o alvo
egos
feridos de inveja, almas empedradas em dogmas
abrir
caminho entre os cínicos tocaiados na inércia
a
arrogância toda diluída com o veneno em suas flechas
heróis
de plástico, exércitos de uma ideologia intrínseca
construir-se
de suor sob uma chuva de escárnio
os
chicotes estalando em nossa busca de amparo
uns
meninos mimados, homens estéreis de ódio
traçar
alguma alegria atrás da máscara obrigatória
a
súbita cor da pele espalhada na maquiagem
restos
de uma antiga humanidade agora sem propósito
escombros
de comunidades nunca celebradas
cabe
somente a nós não morrermos
cabe
somente a nós
cabermos
pra sempre
compreender é um ato solitário
quarta-feira, 5 de junho de 2019
medo
de quando as pedras.
altos.
precipícios
de ácido uma palavra que tomba sólida e pesada como lua desprendida de girar a
distorção de possibilidade sem os fatos.
medo
de quando as cordas.
ávidas
de queda apertando um laço e nós desintegrando ar que falta os pés subitamente
sem a terra e corte escorrendo a poeira pútrida de estradas mal sonhadas.
medo
de que não almas.
portas
fechadas por correntes e cadeado e lava.
anunciando
a morte e morte arrastada e se arrastando o vácuo diante da promessa de que as
asas de que nem me lembro agora e tanto faz e medo de que nunca olhos de que
não ouvidos medo simplesmente num estado bruto de sua mais brutal brutalidade.
com
sua canção espiralada e fria de hoje ninguém dorme.
esfumaçando
os ecos.
gotejando treva.
Assinar:
Postagens (Atom)