quinta-feira, 29 de agosto de 2019
luz enquanto susto, um raio rasgando a noite
insuportável e também enlouquecido contraste, a luz enquanto miserável querer
de quem descobre o paraíso é de mentira é pura tinta em painéis de cartolina,
luz que se derrama indiferente sobre os condenados presos pelos nós de suas vísceras
amarrados em cadeiras velhas é melhor começar a falar tudo que sabem, luz
enquanto angústia de quem vê através das grades a provocação risada que se
escuta e sombra já tomando fôlego, luz enquanto uma arma apontada para a sua
testa, luz no canto do olho onde a cegueira é obrigação imposta pelos deuses,
luz assassinando o frágil e desesperado sono dos exaustos, luz enquanto
ausência do conforto de não ter que ver, luz que não corresponde claramente ao
não ser trevas, luz enquanto arrastado andar sobre montanhas monstros gigantes
e brutais devorando o sol nos mais sangrentos e espetaculares crepúsculos, luz
pontilhada de estrelas e insuficiente chuva para a sede dos que ardem, luz
enquanto esmagadora falta de opção de existência, enquanto ideia impossível impessoal
de alma, enquanto alvoroço dos átomos, enquanto um eterno e contraditório
enquanto.
terça-feira, 20 de agosto de 2019
Se aquele silêncio me engolisse. Aquela imensidão de
ser nada ou de tanto fazer, porque é uma palavra muito grande
"acolhimento", desaparecer evaporado, ou liquefeito, fim. Sempre que
você levanta a cabeça, encara o fato de que tem que andar, não importa o que
sangre, e sangra, os músculos nem sempre acordam, dias inteiros se vão enquanto
uma interrogação perpassa todos os impulsos. Chacais, aves de rapina e
serpentes espreitam, lágrima é pedra, acho que tudo é. Será outro peso acusar a
si mesmo, ou sentir raiva ou pena, ou invocar algum herói submerso e destruir o
que depois será você mesmo quem terá que refazer do nada, a milhares de
anos-luz de que alguém se importe. Ficar, ser apagado por um sopro, um contínuo
pensamento de paisagem que não sabe nem pergunta a sua razão de estar sendo, se
aquela terra me assimilasse, ou nuvem ou lava, abraça a minha recusa a este
mundo de raivas e cegueiras que só não duvidam de si mesmas, ainda que
"abraço" seja pedir muito. Às feras, dores de feridas; para quem já
secou, água de rio, até não existir mais margem, por toda e qualquer alegria que
possa caber em não ter nome algum, e porque sim e adeus, é tudo embora.
terça-feira, 13 de agosto de 2019
Do alto de sua arrogância você diz mais uma vez
‘Você não é nada’, e nunca lhe ocorreu que alguém possa pensar
Que se “ser alguém” significa ser igual a você
É preferível ser nada
Em seu conforto você fala que sou eu o vagabundo
Enquanto não respeito uma só gota do suor que você derrama
Contando a grana que recebe
Do suor dos outros
Quantas milhas você percorreu nos cafezais, quantas
Boias frias já almoçou nos canaviais, em que setor da fábrica
Repetiu dia a dia os mesmos gestos, qual caminhão você guiou na estrada
Até tomar o cafezinho em sua sala?
São meus irmãos lá fora
E não é esforço que lhes falta
Nem há oportunidades de sobra
Há inércia, há estupidez e olhos cegos
De indiferença
Mas quantas pedras foi você que carregou
Pra construir o seu castelo entre as muralhas?
Não é com sua força que ele não desaba
Nem você
Você depende de um milagre químico qualquer
Em cápsulas, ou envelhecido em carvalho
Mortificando o coração que sabe
Pra conseguir chegar aqui, do alto de sua arrogância
Me exigindo sacrifícios e obediência cega
Enquanto apodrece escondido em seu Sempre-Foi-Assim
Essa razão que eu vomito
E pensa
Que a sua alma é boa, grande e generosa ainda agora
Que promove apenas medo e sede de sangue?
E pensa
Que há menos miséria, ridículo e insignificância
Quanto mais dinheiro você guarda?
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