sábado, 26 de junho de 2021
Tinha acabado de passar uma série de tornados nos Estados Unidos, os passageiros à nossa frente discutiam detalhes do casamento do Príncipe da Inglaterra, eu estava intrigado com o que tinha visto em umas placas pela rua e Joaquin, não sei, fazia meia hora que olhava para um cartaz que dizia "O diretor de cinema Francis Ford Coppola apoia a candidatura das Cataratas do Iguaçu a uma das 7 Maravilhas da Natureza".
- Ali, Joaquin - falei, apontando pela janela quando passamos por mais uma daquelas placas que tinham chamado minha atenção.
- Já ouviu falar sobre isso?
Ele revirou os olhos com uma lembrança dolorosa:
- Eu segui essas placas, uma vez, pra ver onde iam dar. Elas continuam mandando seguir em frente na próxima rua, e isso até acabar o asfalto, no limite na cidade. Eu andei até lá, as placas acabaram, cheguei a perguntar por ali, mas ninguém nunca tinha visto nem ouvido falar...
Ficou em silêncio, ainda agitando a cabeça em negação. Refleti um pouco sobre aquilo e concluí:
- Seja o que for, fez você avançar bastante.
Ele riu. Lembrei do culto budista que eu tinha perdido por aqueles dias, lembrei dos nomes Bhadra e Nantimitolo e de um guardião com seis anéis em seu cajado, poderes sobre o inferno e a promessa de salvar todos os seres que sofrem por lá.
- Eu vivo viajando - ouvimos alguém dizer ali perto. - Mal tenho tempo de ver a minha família... Mas é o meu trabalho, né? Essa história de 'meu amorzinho, eu não vivo sem você' é tudo mentira. Eu não vivo é sem dinheiro.
Então naquela hora eu me esqueci de um bom mantra para eliminar as aflições e sofrimentos, esqueci de não sentir o sonho triste que tinha tido à noite com um velho amor triste que teve um final triste, esqueci que nas Cataratas vivem devas, mas me lembrei de que a Secretaria de Turismo de Foz do Iguaçu é maior do que a Prefeitura.
- Sempre que eu passo por aqui - disse Joaquin, quando passávamos em frente a um bar chamado Wood's - tenho vontade de vir aí um dia desses. Deve tocar um rockzinho massa.
Foi a minha vez de rir.
- Um country é o mais perto disso que você vai ouvir aí. Eu não posso dizer que sei alguma coisa sobre onde que toca rock em Foz, mas sei que a Wood's não toca...
Joaquin olhava para os lados, com os olhos arregalados, ao mesmo tempo confuso e se divertindo, depois agitou os braços em direção à janela e falou, fingindo-se indignado:
- Mas como assim, Wood's? Toque!
sábado, 19 de junho de 2021
Crianças que têm medo de brincar
A densidade dos violentos a ameaça que se julga última e justificável
Uma apatia cansada um código-jaula é o preço que se paga pela segurança presumida
Morrer é o mais fácil
Rastejar à procura do céu ou pedir de joelhos pra que não te olhem de cima: isso é pior que a morte
Amar os que te baniram defender a expressão dos que te maldizem: não é bem isso que é a morte
Sob o véu há uma pérola
Há um sol subterrâneo há memórias de um voo-vinho um rio-mágica um
Abraço-bálsamo um
Ainda há muitas coisas que não morrem
E corroem mais do que a ferrugem quase uma ferrugem às avessas
Nenhum sangue inocente no teu prato
A epidemia de um querer-viver e flores inquebráveis se espalhando feito névoa
Enchendo os teus porões de claras possibilidades
Ou então vá
Puxe o gatilho essa coragem-máquina
A eternidade não se importa de verdade
Dobra a esquina entra num táxi e mal te olha
O nome dela não é força ela não é esse tédio
Ninguém ouve enquanto ela gargalha
E
Ela gargalha
sábado, 12 de junho de 2021
And then later, when it gets dark, we go home
Achou que já fazia calor o suficiente dentro do ônibus para tirar as luvas. Ouvia as conversas em bancos à frente, confundidas com o zumbido do motor e das rodas na estrada de pedras, enquanto olhava uma vez mais para a imensidão do céu estrelado lá fora. Estava no caminho de volta a San Pedro de Atacama depois de um tour astronômico no deserto, e tinha aquela música que não saía da sua cabeça, e tinha Petra.
- Não, tio, o senhor que não entendeu - ouviu uma mulher dizendo um pouco à frente. - Se a estrela mais próxima está a quatro anos-luz da Terra, quer dizer que a luz dela leva quatro anos para vir de lá até aqui.
- Proxima Centauri - ele falou para si mesmo, não alto o bastante para ser ouvido pelos outros.
- Mas isso não faz o menor sentido - protestava o tio.
Afundou-se um pouco mais no seu banco, querendo se desligar da conversa, e naquele movimento, derrubou as luvas que tinha deixado sobre os joelhos.
Then later a movie, too - and then home
Tinha derrubado a tampa da caneta e agora não conseguia mais encontrar. Estava a uns quatro mil metros acima do nível do mar, embarcada no Tren a las Nubes, no Norte da Argentina. E ia perdendo uma bela paisagem lá fora enquanto tateava pelo chão à procura de uma tampinha de caneta. Uma tampa verde horrorosa que ela vivia mordendo, mas que era, afinal, a tampa da sua caneta preferida.
Encontrou apenas um par de luvas embaixo do banco, e ninguém por perto que pudesse ser o dono delas. Achou estranho, mas não lhes deu atenção, apenas desistiu do que procurava, por um instante - e foi bem quando entrou no vagão um casal com instrumentos musicais. Ele trazia um violão e ela, um saxofone. Apresentaram-se dizendo que aquele era, seguramente, o ponto mais alto da carreira deles, e já começaram logo tocando uma das músicas de que ela mais gostava.
Olhou para o caderno e achou que já estava embriagada demais pela música, pela altitude e pelo balanço do trem, achou que estava começando a ver coisas, que não era possível, mas alguém tinha escrito algo a lápis, ali, enquanto ela não olhava. E não apenas qualquer coisa, mas "Perfect day" - que era exatamente o nome da música que estava tocando.
Oh, it's such a perfect day, I'm glad I spent it with you
Chegou um pouco mais para perto do namorado tentando se esquentar, mas ele estava concentrado afinando as cordas do violão. Olhou para as estrelas se sentindo pequena e cansada demais de ser pequena, mas ainda assim tranquila, tranquila, enquanto seus pensamentos se perdiam por aquele céu escuro. Perguntou-se qual daquelas estrelas estaria mais próxima da Terra, e por um segundo teve a impressão de ouvir claramente alguém dizendo "Proxima Centauri".
A fogueira estalou. Os grilos pareceram arquitetar-se um pouco. Estavam no alto de uma das muitas montanhas de um dos vários vales naquele ponto da fronteira entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Tinham ido passar o feriado no sítio de um parente dele. Então ele começou a tocar e ela se enrolou na coberta e ficou distraída com a fumaça que saía de sua boca quando respirava.
De repente, estranhou alguma coisa no bolso do casaco. Era um pequeno bloco de notas que ela nunca tinha visto e que não tinha a menor ideia de a quem pertencia ou como tinha ido parar ali. Vinha com um lápis de madeira que mais parecia um graveto enrolado na espiral.
- Que música é essa que você está tocando? - ela perguntou ao namorado. E ele respondeu, meio apressado entre um verso e outro, mas ela entendeu direito e anotou em seu novo bloco de notas: "Perfect day".
I thought I was someone else, someone good
A primeira coisa que viu quando abriu os olhos naquela manhã foi o rosto de Petra, mas ele ainda não sabia o nome dela. Ficou ali deitado, só olhando: era um rosto bonito, e ela dormia tão serena. As camas ficavam muito próximas naquele albergue, parecia até que se ele entendesse a mão…
Mais tarde se encontrou com ela na área comum e perguntou seu nome. Não entendeu direito da primeira vez, então perguntou "Pietra?". Ela balançou a cabeça, divertida e resignada.
- Os brasileiros sempre dizem "Pietra".
Ele a convidou para fazer um tour astronômico pelo deserto naquela noite, mas ela já estava de partida. Perguntou se ele tinha visto um pequeno bloco de anotações perto de sua cama naquela manhã. Era uma lembrança, não estava mais conseguindo encontrar, então disse que, se ele encontrasse, podia ficar com ele. Ele agradeceu, depois se despediu tentando não demonstrar o quanto lamentava ter que fazer aquilo.
No meio da tarde, quando ela já tinha ido embora, procurou um pouco em volta de suas camas para ver se dava a sorte de encontrar aquela lembrança. Mas tudo que conseguiu achar foi uma tampinha toda mordida e horrorosa de caneta verde.
sábado, 5 de junho de 2021
Parece que faz tanto tempo e
nada mudou no trajeto:
anseios
de quando seguíamos adiante
retornam agora com as ondas.
Eu te amo
– nem é preciso que eu diga –
bem mais do que o necessário.
Oh não deixe que a sobra
fique emperrada nos vãos
do que te move.
Parece
que os sonhos sempre escapam dos teus olhos
e tudo o que acontece é intransponível.
Parece.
Parece que nunca nos encontraremos.
Mas hoje,
enquanto a brisa brincar na noite,
suaves,
eu,
esta velha nascente
– hoje,
e até depois do tempo todo –
também estarei dançando
ainda mais criança
do que no princípio.
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