sábado, 30 de julho de 2022


 

O professor lá falando falando e ela desenhando em meu caderno 
Eu pensando em me juntar às tropas e lutar por alguma causa importante mas 
Matemática é importante? e esses garranchos 
Como é que você foi ficar de recuperação em artes? 
Quase falei vou me juntar a uns caras aí e lutar por alguma coisa importante mas você veja bem 
Faz tempo que tem umas minas lutando até melhor que eles 
E os caras da minha sala pelo amor de deus 
Só têm pra compartilhar o mundo ao redor dos seus umbigos sujos 
Pra mim sobra só mesmo um e você quem é 
Queria mais era um milagre que acabasse de uma vez por todas com essa aula insuportável 
É o professor que não aprende nunca 
Nada 
Nunca 
Então ela desenha um par de olhos e um sorriso largo em meu sol amarelo 
Que agora vai ficar ali pra sempre me olhando com aquela cara 
Feliz da vida 
Simples assim 
Ninguém jamais conhecerá sua causa


 

sábado, 23 de julho de 2022


 

Ao final de um dos meus piores dias, preparei a mochila para andar algumas dezenas de quilômetros até uma cachoeira e ver se assim eu me libertava, um pouco, daquela carga pesada e negativa do dia a dia. Na manhã seguinte, saí um pouco antes amanhecer calculando que, na pior das hipóteses, caso não passasse ninguém pela estrada disposto a oferecer carona, eu conseguiria chegar à cachoeira e voltar para casa ainda antes que anoitecesse. Mas era preciso acelerar o passo, e foi o que eu fiz.

Enquanto caminhava, junto com o vento e com a paisagem, via passarem pensamentos e sensações represadas durante muito tempo, músicas e histórias de tristeza ou guerra, situações imaginárias que eu encenava apaixonadamente em minha cabeça — talvez, às vezes, dirigindo algumas falas em voz alta para as árvores e para as pedras. Assim, até por volta do meio-dia, mal reparei na ausência absoluta de movimento na estrada, e só então comecei a me preocupar com o tempo que me restava, pois então pareceu que ele seria pouco para todos os meus planos.

Olhei em volta com atenção, agora calculando para qual lado estava a cachoeira e como eu poderia chegar a ela traçando uma linha reta, em vez de continuar seguindo pela estrada. Como nunca tive problemas de localização, confiei na estratégia e, de fato, em pouco menos de duas horas, alcancei meu destino e pude finalmente silenciar qualquer pensamento mergulhando na água fria de um belo rio selvagem. Instantes depois, deitado, à margem, exausto, tive uma ideia louca de nunca mais voltar para casa.

E a ideia virou decisão. Em vez de retornar à estrada ou seguir de volta o caminho que havia me levado até ali, apenas fui adiante, primeiro margeando o rio, até avistar um bom local para acampar naquela noite, e, no dia seguinte, segui direto e de uma vez por todas para o coração da selva.

Uma única vez questionei a decisão, alguns dias mais tarde, quando a comida foi chegando ao fim e eu ainda estava em uma região muito deserta para encontrar alternativas na natureza. Ironizava, em minha mente ainda conectada a ideias decadentes de uma velha vida, dizendo a mim mesmo que da próxima vez contrataria guias e carregadores para facilitar todo o trabalho, para depois, quem sabe, fazer sucesso entre uma "galera descolada" na internet falando mal de trilhas. Mas assim como as preocupações e aqueles pensamentos anacrônicos, as dificuldades acabaram passando, ou eu acabei me acostumando, não sei, de modo que os meses seguintes foram tanto mais fáceis quanto mais deliciosamente silenciosos em minha cabeça.

Passados três ou quatro anos, ainda, estranhei um pouco a ausência de pessoas e cidades por onde quer que eu fosse, e percebi que estava esquecendo as palavras e os nomes das coisas, vivendo uma vida em que a mera noção de "significados" já havia se desfeito completamente na superfície dos fatos. Dessa forma, dizer que "eu simplesmente estava ali" já é dizer demais; dizer que "nada mais precisava ou poderia ser dito" também já é dizer demais.

De modo que nem sei se foram realmente décadas mais tarde que afinal me dei conta de que não andava mais sobre o planeta Terra. De alguma maneira, em todas aquelas andanças, eu havia atravessado galáxias inteiras, e estava agora a milhares de milhares de anos-luz de onde havia começado. Ao olhar para trás, conseguia ver um rastro luminoso de estrelas, ainda quente e agitado pelos passos recentes. Mas ainda assim, naquela hora como em nenhuma outra, nunca houve paisagem mais bonita do que dali para frente.


 

sábado, 16 de julho de 2022


 

Acordou uns cinco minutos mais tarde que o habitual e já se levantou com a sensação de que o dia inteiro daria errado. Antes de sair, apressado, sob o olhar sempre atento e silencioso de Anis, ainda ouviu Margarete dizer a Patrícia, talvez pela centésima vez desde que chegou ali, duas semanas antes: "Ele vai cair. Você vai ver. É só questão de tempo."

Chegou à oficina alguns segundos antes de se completar um minuto de atraso, o que deixou o patrão ainda mais enfurecido do que se ele tivesse se atrasado um minuto inteiro. Afinal, os descontos de pagamento por atraso eram baseados em minutos, não em segundos. O fato representou um aumento considerável de trabalho naquela manhã, incluindo tarefas que não eram sua função, e outras absolutamente desnecessárias, surgidas de um puro exercício de poder e sarcasmo do chefe mau humorado.

No almoço, ao menos, podia contar com a compreensão de Lan, dono de um restaurante suspeito na esquina e que sempre lhe concedia descontos na comida em troca de uma ajuda na limpeza, na cozinha ou fazendo alguma entrega. O que acabava reduzindo ainda mais o tempo já reduzido de almoço, mas era o que dava para fazer. "Vamos acabar com a injustiça social", dizia Lan, trazendo-lhe mais pratos sujos. "Você vai ver. Vamos colocar essa sociedade nos eixos."

De volta à oficina, à tarde, o chefe parecia um pouco menos irritado. Parou para humilhá-lo apenas três vezes, uma delas por causa dos sapatos muito gastos, outra, porque ele tinha "um nome de pobre", simplesmente, e outra porque… Já nem se lembrava. Não era importante. O chefe era um completo babaca, mas sem o qual ele continuaria como antes, morando na rua, mendigando trocados.

No caminho de casa, encontrou-se outra vez com Lan, que veio pedir que o amigo por favor levasse aquele saco de rejeitos fedorentos até uma caçamba na rua debaixo, para ele não ter que passar a noite com aquilo empesteando o ar já bastante comprometido em frente ao restaurante. E como era de costume, foi atencioso, perguntou como tinha sido o trabalho e teceu comentários maldosos sobre o patrão do outro, despedindo-se com a corriqueira afirmação de que o reinado do capitalismo estava prestes a acabar, e que ia levar junto para o esgoto da História todos aqueles ratos nojentos.

Quando chegou em casa, encontrou as mulheres e a menina se ajeitando para ver um filme, e então Patrícia convidou-o para acompanhá-las. Margarete não fez o menor esforço para disfarçar sua contrariedade, mas ele aceitou mesmo assim, e até porque, se dependesse de Margarete, ele ainda estaria morando na rua. Patrícia, por outro lado, chegava a ser gentil com ele, às vezes, mais até do que ele já tinha visto qualquer uma delas ser com a menina Anis — que, aliás, ele nunca entendeu quem era ou como foi parar ali.

Dormiu um pouco antes da metade do filme. Arrastou-se para o quarto ouvindo Margarete reclamar de alguma coisa e caiu outra vez no sono assim que se deitou. Teve um sonho tumultuado, carregado de sensações densas e incômodas, uma série de situações em que ele era esmagado, ferido, apedrejado, morto, destroçado, perseguido, incinerado, e talvez mais umas quatro ou cinco formas de agressão e anulação. Um pouco antes de amanhecer, acordou a tempo de ver da janela uma estrela colorida e brilhante descer do céu e pousar em algum ponto ali perto. "Vai ficar tudo bem, agora", pensou, sem saber de onde vinha aquela certeza. Quando finalmente acordou para o trabalho, um pouco depois, sequer sabia se aquilo havia sido um sonho ou realidade.

Desta vez, estava realmente atrasado. Profundamente descansado, sim, com os ânimos transformados, mas terrivelmente atrasado. Saiu sem correr muito, até parou para dizer bom dia às mulheres e a Anis, a quem se permitiu ainda dirigir um sorriso e algumas palavras de carinho. Aquilo enfureceu Margarete de um jeito que ele nunca tinha visto, e enquanto saía, desta vez, ouviu-a dizendo "Eu disse que ele ia cair, olha aí, todo amiguinho", e mais uma série de considerações amargas e raivosas que ele não conseguiu escutar.

E então, quando chegou à oficina, encontrou o chefe esperando com um largo sorriso de crueldade e sem mal conseguir conter o anúncio de sua demissão. Falou que tinha feito mudanças por causa dele, que, a partir daquele dia, os descontos por atraso seriam por segundos e não minutos, mas que afinal, a regra nem chegaria a ser aplicada a ele, veja só, que privilégio. Aproveitou para mandar outras palavras de desprezo antes que ele saísse definitivamente pela porta, estranhamente leve e despreocupado, como se todos aqueles desaforos estivessem sendo dirigidos a outra pessoa. E foi adiante sem olhar para trás.

Na esquina, parou para contar a Lan o que havia acontecido, e ele contou também que vinha sendo pressionado pelo dono do ponto, que o aluguel tinha subido e que ele não poderia mais ajudá-lo com aqueles precinhos camaradas de sempre. A notícia não chegou a surpreendê-lo, e só de brincadeira, perguntou: "E a revolução começa quando?", ao que o outro fechou a cara e respondeu secamente: "Primeiro, eu tenho que arrumar essa bagunça".

Por fim, então, quando voltou para casa, encontrou todas as suas coisas do lado de fora da porta. Ainda bateu algumas vezes, chamou pelas mulheres, sabendo que elas estavam ali, mas nenhuma se deu ao trabalho de lhe responder. A única saída era resignar-se ao seu destino. Juntou seus pertences, tão poucos, e caminhou outra vez em direção à rua. Como um filho pródigo.

Na calçada, parou uma última vez com o olhar distante, a sensação bem conhecida de um peito despedaçado. Se formulasse algum raciocínio, provavelmente seria uma pergunta, como, por que, para onde agora, mas era uma interrogação generalizada, apenas, enquanto ele se movia sem nem mesmo se dar conta.


 


 

sábado, 9 de julho de 2022


 


 

mão estendida em desejo 
um frágil voo sem pouso 
eu preferia não ter conhecido 
as distorções dessa imagem 
pela refração da luz 

teu peito imprimindo meu passo 
num tempo em desencontro com os anos 
dissesse o meu nome em voz alta 
e eu já teria chegado 
antes mesmo que ele terminasse 

amor de portas abertas 
não quero morar num delírio 
preciso só do mais perto 
pele 
e demasiadas palavras com tua voz 

a arquitetura do sempre 
transbordando no mesmo abraço 
não mais esse gesto suspenso 
miragem através da lágrima 
se nem um só limite é de verdade


 

sábado, 2 de julho de 2022



CAPA
RELAÇÃO DOS PERSONAGENS
DESCRIÇÃO DO ESPAÇO CÊNICO
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Cenas anteriores:
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(Novas cenas em breve.)
CENA 5

(Os telões começam a exibir gravações da queda feitas de vários ângulos, simulações, etc., e as imagens são aceleradas para a frente e para trás como se estivessem no ecrã de um investigador que as analisasse. Em dado momento, acende-se um foco sobre o microfone onde antes estava Helena, e agora não há ninguém, e um foco sobre Mano, que está em outro palco. Quando a fala seguinte começa, surgem nos telões imagens de Helena, exatamente diante daquele microfone e com aquele foco, como se fossem imagens ao vivo. Todas as falas de Helena no início desta cena são com ela aparecendo apenas em vídeo, enquanto o espaço real diante do microfone permanece iluminado e vazio.)

MANO e HELENA: A perícia confirmou que a causa da morte havia sido a queda de uma altura elevada, mas como ninguém sabia explicar de uma forma crível como a Pâmela tinha ido parar em uma altura elevada, as investigações começaram e todos ficaram sabendo sobre o tiro. O que não mudou nada, porque nunca houve absolutamente nada de concreto contra o ex-marido dela, mas ainda assim…

MANO: Eu passei muito tempo remoendo ódio e desejo de vingança.

HELENA: O cara resolveu desaparecer por uns tempos.

MANO: Eu queria fazer mal pra ele, eu achava que isso seria justiça.

HELENA: Sabe como é, a mídia ficou em cima e ele tinha um patrimônio a zelar.

MANO e HELENA: Eu estive próximo de enlouquecer. Só se falava naquele mistério, em todos os jornais, os jornalistas vinham bater na minha porta.

MANO: E eu quis morrer também.

HELENA: Eu não sabia o que dizer, aquilo ia contra tudo que eu sempre tive como certo.

MANO e HELENA: E então eu me afastei também. De tudo. Dar um tempo pra cabeça.

HELENA: Sumir.

MANO: Desaparecer.

(Blecaute. Silêncio.)

L, em off: Bom, primeiro que o teatro morreu já no final do século passado, né, bem antes da internet ser o que ela é hoje, e os serviços de streaming, né, já não tinha mais espaço. Aí tem gente que nem dá pra chamar de teatro o que elas fazem, né, porque o que é aquilo? Teatro interativo, tem uma coisa que eu tenho horror é esse teatro interativo, (a luz começa a se acender sobre ele, que está diante do microfone, fazendo pose, mas a voz permanece em off) se eu vou no teatro, eu quero assistir uma peça, eu não quero participar de um evento. Eu tenho horror de ter que falar, eu sou plateia, não me pergunte, não sou eu quem tem que saber. Não quero ver putaria, também, homem pelado, beijo gay, por que sempre tem que ter um beijo gay? A gente vai no teatro pra ficar se estressando, eu não quero ter que pensar, eu já pensei o dia todo, eu quero…

LUDO, também em off: Quando foi a última vez que você foi ao teatro?

L: Oi? Você pode repetir a pergunta?

LUDO: A última vez que você foi ao teatro.

L: Eu… Sim, foi a última. Mas a questão é que é isso, né, o que é o teatro hoje em dia? Ninguém vai sair de casa pra ver homem pelado, beijo gay, putaria! Ainda chamar isso de arte? Arte é o Beethoven, Michelangelo… É uma coisa de museu, né? (Durante o discurso, sua voz vai diminuindo de volume até sumir, acompanhando o apagar das luzes.)

(Pausa.)

(Luz sobre Diogo e Karina.)

KARINA: Eu via tanta força em você. E onde eu não via, eu achava que era exatamente naquilo que eu trazia pra tua vida. Quer dizer, se eu já acreditava em você, em você comigo, então, como que alguma coisa poderia dar errado? (Pausa breve.) Se você não estivesse comigo naquele dia, eu… (Estremece.) Eu não gosto de ser cuidada, é, você sabe, eu quero dizer que não é uma coisa que acontece muito, eu não gosto de me sentir vulnerável, não… Eu não fico me demorando nessas coisas, foram poucas as vezes na minha vida que eu precisei ser cuidada ou… pior que isso, até… dá pra contar nos dedos as pessoas que estiveram lá pra isso e souberam fazer tão bem. (Pausa.) Eu levei todos esses anos, ainda… pra entender… pra aceitar a força do sentimento que eu tinha tido naquele dia por outra mulher. Mas era mais do que isso, era aquela morte absurda e sem sentido, e era eu, uma parte minha que eu não queria ser, mas que estava lá, e era você me cuidando e foi você me cuidando durante muito tempo até eu entender que é mesmo, alguém precisava cuidar de mim. Eu sempre fui tão boa em cuidar dos outros. Eu tinha que fazer alguma coisa por mim. (Pausa.) Eu via o orgulho no teu olho. Quando eu voltei com tudo pro trabalho, e pras aulas de piano, e ia toda semana pra cidade encontrar alguém, ouvir outras histórias, pensar em outros assuntos… (Pausa breve.) A primeira vez que eu ouvi a voz da Pâmela, a gente estava no cinema, a gente tinha ido ver o… um filme grego? Eu nunca te contei. Eu achava que era ela, ela falou alguma coisa de um milagre e eu me lembrei, um milagre, a gente… quantas vezes a gente falou sobre isso? Uma mulher saiu voando. Ela só… Eu, não, eu me recuso a dar qualquer significado pra isso, um milagre?! Não. Foi um assassinato. Eu não queria voltar a esse assunto, ele já estava encerrado pra mim. Então veio a Helena. E eu ainda não queria contar nada pra você, mas aquilo foi ficando cada vez mais frequente e mais intenso e de repente eu já não tinha mais como aguentar. Eu não podia continuar vivendo aquilo. Eu não sabia por que, eu ainda não sei… E aí eu trouxe você pro meio disso tudo. De volta pro meio disso tudo. E eu percebo o quanto isso te machuca e eu me odeio… mais. Não sei nem como te dizer isso. Como eu lamento. Quanto eu queria que fosse diferente.

(Pausa. Foco sobre o microfone. Pâmela vem caminhando até ele, abre a boca para falar, desiste. Pensa um pouco, toma coragem e quando abre a boca, desiste outra vez. O foco se apaga. A luz sobre Karina e Diogo muda e ela agora passa a falar se dirigindo ao público.)

KARINA: Como é que eu poderia esperar que ele me dissesse qualquer coisa depois de ouvir isso? O problema da vida é que não dá pra editar aquilo que a gente está dizendo, as coisas vão vindo e ficam lá pra sempre, DITAS, não importa se verdadeiras, completas, justas, bem colocadas, aquelas são as palavras DITAS. Por isso que o celular veio substituir a interação humana, porque ele te dá essa possibilidade de olhar bem praquilo que você está dizendo e dizer, não, pera, deixa eu apagar tudo. Não tinha mais como começar de novo. Faltou dizer que eu amava ele a um ponto que a gente estava misturado e eu não sabia mais o que era fazer algo por mim ou por ele, se o pensamento era meu ou dele, se a pessoa no espelho, se as meias… A verdade… é que eu jamais me permitiria viver nada com qualquer outra pessoa enquanto estivesse com ele. E que eu não ia suportar deixar ele, que isso não ia acontecer. Não ia. Como que eu pude deixar de dizer isso? Eu amava Helena, eu amo. Eu desejava Helena, eu enxergava só isso. Como que eu pude enxergar só isso? Em minha defesa, eu acho… ou quero acreditar, não sei… não, eu acho, sinceramente eu acho que esse era o desenvolvimento lógico do meu discurso, que era nisso mesmo que eu ia chegar, que as minhas próximas palavras pra ele seriam exatamente essas que eu falei pra vocês, que eu amava ele e que não tinha nada com que se preocupar apesar de tudo e por mais… bêbada boba burra apaixonada que eu pudesse estar, ainda era eu por trás de tudo aquilo. Porque era eu por trás de tudo aquilo.

LUDO, aparecendo de repente, visivelmente bêbado: Ah, vocês estão aqui! Amores da minha vida. Eu procurei vocês por todo o teatro. Praia. Por toda essa praia. Claro, isso ali é um coqueiro.

KARINA: Eu acho que era isso que eu teria dito.

LUDO: Ei! Oi! Sou eu aqui! Olha… Eu queria, eu estava procurando vocês, eu acho. Eu estava procurando por mim mesmo. (Ri.) Eu queria contar toda a verdade… Eu falei pra você que eu ia contar toda a verdade. Meu amor.

KARINA: Eu… o quê?

DIOGO: É, amigão, acho que por hoje já chega de grandes verdades.

LUDO: Não, eu preciso. Eu faço questão. Não é qualquer pessoa que sabe.

DIOGO: Amanhã, vai ser melhor.

LUDO: Não sei se existe amanhã.

KARINA: A Helena é quem vai me contar tudo. Você…

LUDO: Eu sou Helena, é isso que eu queria te contar! Que eu precisava...

(Silêncio.)

DIOGO: Eu vou acompanhar ele até em casa.

LUDO: Meu amor… é verdade.

DIOGO: Deu, amigo. Agora já chega.

(Diogo vai em direção a Ludo para pegá-lo quando as luzes se apagam. Música.)

(Luz fraca sobre o caminho de Diogo , enquanto ele tenta levar para casa uma Helena relutante e visivelmente embriagada. Logo depois, blecaute. A música não para.)

(Luz em um dos palcos, onde Diogo coloca Ludo em uma cama e o ajeita para dormir. Ele já parece estar desacordado. Blecaute.)